
Este é um projeto de registo de memória coletiva. Todos os que contribuíram para a conquista da Liberdade merecem não cair no esquecimento. É nossa obrigação, enquanto sociedade, honrar o seu esforço e a sua coragem, pois sabemos que qualquer gesto de desafio ao antigo regime era motivo suficiente para prisão e tortura.
Se é ou conhece um "Anónimo de Abril", conte-nos a sua história.
Anónimos
FRANCISCO MIGUEL DUARTE
Estava entre os dez condenados que fugiram de Peniche em 1960. Francisco Miguel Duarte, que ficou conhecido como Chico Sapateiro, devido à profissão que exerceu, desde muito cedo esteve ao lado dos trabalhadores na sua luta por melhores condições de vida. Foi preso por cinco vezes e por quatro escapou das prisões do regime. No total, passou 21 anos atrás das grades, 10 dos quais no Tarrafal, para onde foi desterrado em duas ocasiões. Foi ele o último preso do campo de concentração, aquando do seu primeiro encerramento, em janeiro de 1954. Passou seis meses sozinho com os carcereiros.
MARIA DOS SANTOS MACHADO
Natural dos Açores, Maria dos Santos Machado foi professora e destacou-se pela visão vanguardista que tinha do ensino, mas a modernidade dos seus métodos não era do agrado do regime, que acabou por afastá-la da profissão. Viveu na clandestinidade com o pseudónimo “Rubina” e foi responsável por mais de 80 edições do Avante!. Em 1945, para permitir a fuga de dois camaradas, deixou-se prender. No total, enfrentou quatro prisões, a última delas entre 1954 e 1956. Em liberdade, trabalhou como governanta numa casa particular e continuou a dar aulas de alfabetização a adultos de forma clandestina. Em 1958 foi despejada do quarto onde vivia por pressão da PIDE. Com a saúde frágil, à procura de alojamento, foi vítima de um fatal ataque cardíaco numa rua da Amadora.
BENEDICTO GARCIA VILLAR
Músico, cantor e sindicalista galego, Benedicto Garcia Villar foi um opositor do regime franquista em Espanha. Num tempo em que o castelhano era a língua obrigatória, Benedicto fez questão de cantar em galego como ato de resistência. As canções levaram a que se cruzasse com José Afonso e que com ele estabelecesse uma relação de amizade e parceria musical. É através de Benedicto que a Galiza descobre o Zeca, nascendo uma profunda admiração que ainda hoje perdura. Reza a história, que foi num recital em Compostela, a 10 de maio de 1972, ao lado de Benedicto, que Zeca Afonso tocou pela primeira vez em público o Grândola Vila Morena.
ARAJARYR CAMPOS
Em fevereiro de 1965, acreditando que iria reunir-se com opositores do regime, Humberto Delgado dirigiu-se até perto de fronteira espanhola, na zona de Badajoz, e caiu na cilada montada pela PIDE. Foi assassinado. Ele e também a mulher que estava consigo: Arajaryr Campos. Nascida no Rio de Janeiro, Arajaryr acompanhou à distância as notícias que chegavam de Portugal sobre a campanha para as presidenciais de 1958. Delgado, antes próximo do regime e de Salazar, era agora o rosto da oposição. Após as eleições, aquele que ficou conhecido como o General Sem Medo pediu asilo político ao Brasil e, do outro lado do Atlântico, Arajaryr tornou-se sua devota secretária. A partir daí esteve sempre ao lado de Delgado, apoiando-o e auxiliando-o nos seus planos para atacar o Estado Novo. Até ao fim.
BELMIRA DA CONCEIÇÃO GONÇALVES
Ficou conhecida como a Sãozinha e tinha apenas 17 anos quando foi assassinada. Em 1962, a decisão das autoridades da Ilha da Madeira em desviar as águas que corriam na Levada do Moinho para um novo curso, provocou uma revolta da população. Depois de os homens voltarem a repor as águas no seu curso original, as gentes locais passaram a revezar-se numa vigília diária para impedir um novo desvio. Mas a 21 de agosto, a PSP decidiu intervir em força, batendo, desbravando caminho e abrindo fogo. Uma das balas atingiu mortalmente a jovem estudante.
JOSÉ CAVACO MARQUES
A sua casa na Ajuda serviu de ponto de passagem para muitos opositores do regime. Havia sempre um prato a mais na mesa à espera de alguém que pudesse aparecer. “Quando acordávamos, já o meu pai tinha partido de madrugada, com destino ao Alentejo, desbravando serras e montes, fintando a guarda fiscal, para os deixar em porto seguro. Ajudou muita gente sem nada em troca, bastava-lhe a coragem e sentir que e sentir que era preciso estar onde precisavam dele”, conta a filha Matilde Cavaco. Foi preso e torturado. Entre 1966 e 1973 viveu exilado em Paris. Ironia do destino, a seguir ao 25 de Abril, foi guarda prisional na prisão de Caxias, que tão bem conhecia, e lidou diariamente com aqueles que durante tanto tempo o privaram de liberdade.
JOÃO FELICIANO GALVÃO
Nasceu em Moncarapacho, no Algarve, a 10 de julho de 1916. Apesar de bom aluno na escola, não tinha os meios para continuar a estudar e cedo começou a trabalhar na agricultura e na construção civil. Não gostava do regime e demasiadas vezes não mediu as palavras que dizia em público. Acusado de ser comunista, foi preso a 3 de novembro de 1936 e levado pela PIDE para Vila Real de Santo António. Pouco mais de um mês depois, a 7 de dezembro, é transportado para a prisão do Aljube, em Lisboa. Dizem os registos que terá sido libertado no dia 11, mas nunca mais foi visto. As autoridades venderam a tese de que teria partido para Espanha, para lutar na Guerra Civil, ao lado dos opositores de Franco. É pouco provável que o tivesse feito sem nada dizer à família. Acredita-se que possa ter morrido vítima de tortura, durante um dos interrogatórios da PIDE.
LUÍSA VAZ OLIVEIRA
Foi presa a 10 de abril de 1970. Tinha 22 anos e andava no terceiro ano de Económicas no ISCEF. A PIDE não deixou escapar o seu envolvimento nos movimentos estudantes de combate à ditadura. Passou dezoito meses na prisão e foi vítima de vários tipos de tortura. Foram várias as sequelas que persistiram. “Ficou-me para o resto da vida uma doença crónica, autoimune, muito dolorosa, de cariz fortemente incapacitante, pela rigidez articular que provoca, e que pode atingir outros órgãos, no meu caso os olhos e o aparelho respiratório”, explica Luísa.
Um dos momentos de que não se esquece é o dia em que admitiu que pertencia ao PCP. Essa confissão levou a que a PIDE fosse no encalço do seu então namorado e o prendesse. Se ela era militante comunista o mais provável era que ele também fosse. Ficou-lhe para sempre esse peso na consciência. Ainda assim, volvidos 55 anos, Luísa e Fernando continuam juntos.
JORGE ALVES
Guilherme, o filho que Herculana e Luiz Carvalho foram visitar ao Tarrafal, foi um dos 10 presos que no dia 3 de janeiro de 1960 se evadiram da prisão de Peniche. Entre eles estava também Álvaro Cunhal. Uma peça chave nessa fuga, foi o guarda Jorge Alves, militar da GNR, que foi aliciado pelo Partido Comunista, para ajudar no plano. Em troca, recebeu 150 contos e um exílio na Roménia. Apesar de competente nas tarefas militares, Jorge nunca se deu bem com a disciplina hierárquica e aos poucos foi-se revoltando contra o regime. Esse descontentamento fez com que fosse ele o infiltrado escolhido para ajudar na fuga, mas no próprio dia entrou em pânico e ia deitando tudo a perder.